segunda-feira, 26 de fevereiro de 1973

Brxls, 6 d Jnh d 1977

Palavras k vim hoj aki dizr.
Minhas snhoras e meus snhors:
A poesia sta d fsta. N pk a vmos nst mmnto clbrada na pssoa d 1 poeta kk, ms pk 1a das tonalidds da sua voz fio finalmnt ouvida e rconhcida n1 conclav ond ate hoj nnhum Spirito Santo a fizra dscr. E o portugs 1a vlhissima e nobr língua latina spalhada pls 5 continnts. Nla cantaram e cantam grands vultos inspirados, d Camões a Frnando Pssoa, d Brnandim Ribeiro a Teixeira d Pascoaes. Capaz d dar guarida às + dsabusadas fúrias épicas e às + discrtas confidncias líricas, dúctil e colorida em tds os prallos geogrficos k nas suas andanças visitou, pcas a igualam ns fcundos dons proteicos, na sua barroca plasticidd. Ms a Europa culta conhc-a mal, e a lira tmprada nos confins ibricos , mbora cm tdas as cordas a vibrar d xtrmo ocidnt a xtrmo orient, tm sofrido, sculos a fio, a injusta condnaçao d s vr privada d participar no polifonico coro das nações, e d emprstar à orkstraçao univrsal o insprado concurso d 1a vivida e natural simpatia cósmica. Flzmnt k o ncanto s kbrou p obra e graça do vosso arbítrio. Sja essa a prcaria virtud dos meus vrsos: contribuir, na sua exacta mdida, pr k a singularidd xprssiva d 1 povo, simultaneamnt loquaz e sucinto, urdidor d romanceiros e sintitzador d rifoes, poxa d ora avant patntear a curiosidd cosmopolita toda a sua rikza e originalidd. É + 1 bnficio k ficamos a dvr às bienais d Knocke e ao seu clarividnt fundador. Arrdondar o mundo da poesia – cm Frnao d Magalhães, 1 lusitano sm fornteiras, fz ao mundo físico -, é dar-lh a total dimnsao k el dv tr na + dilatada aspiração da snsibilidd humana.
Hora d rgozijo, pois, pr tfd nos, srvidors d Orfeu. Ms hora igualmnt amarga, s a mditarmos a outra luz mnos apaixonada. S a projctrmos pr alm dsta grata circunstancia concrta em k as ltras da minha pátria toca o maior kinhao. Fora d tais limits, já o vinho c k nos brindamos tm mnos doçura. A ngra realidd do k é sobrpoe-s à clara irrealidd do k parc, e 1 prtinaz mal-star esmaec a passageira euforia do nosso mutuo ncontro.
Bm sabmos k no longo caminho da Historia mtas x a poesia foi coroada d rosas. Na grcias d Pricls, na Roma d Augusto, nas corts provnçais, na flornça dos Mdicis, axim sucdeu. Ms coroada pla tácita confluência d 1a admiração spontanea e gnralizada, e n plo xprsso voto dos seus obreiros, feitos advogados em causa própria, cm é o nxo caso. 1a axmbleia d poetas a prmiar 1 dos seus pars n significará k a poesia, long d s mirar no límpido splho d sua gloria, s vai skivando da mlhor maneira k pd ao doloroso rconhcimnto da sua imagm diminuída? N srao tão fratrnos galardoes partilhados, + k xpansivas manifstaçoes d efctivo alnto, agoirntos sinais d rtractivo dsalnto? P mt k nos doa, tais simulacros d sucsso, prmutados em circuito fchado, disfarçam mal a evidncia d 1a cris d idntidd k nnhuma retórica consg exorcizar.
Já la vão anos, n1a msg nviada a 1 congrxo d poetas, realizado prto da Via Àpia, aludi ás catacumbas d rsistncia ond a poesia, n1 rflxo d intgridd ofndida, tria d s rcolhr pr prsrvar o seu milagr sp rnvado d criação, gritava ntao do fundo d 1 poço d angstia, na incrtza d ncontrar rxonancia nos meus companheiros na crnça e na dsgraça. Era no apogeu das triunfants ideologias d maxas em k sr poeta inconformado valia p 1 atstado civil d maldição. A prsnça d kk d nos no seio da sociedd, corrspondia, no critrio das ditaduras vignts, à prsnça abrrnt d 1 tumor maligno nas ntranhas d 1 corpo homogneo. E nchiamos os cárcrs cm os d+ cidadãos k s sabiam e kriam difrnts e livrs. Ms exa violncia stava na lógica das coisas. Ao msm tmpo incomoda e sdutora, a poesia foi sp 1 psadlo e 1a fascinação pr os podrosos. Em tdas as épocas os csars prtndram simplsmnt anikila-la ou, + argumentamnt, utiliza-la, ate ao ponto d usurpar-lh os mritos. Confusamnt conscients d k pr cd vrso exist 1 eco, k o vrbo s faz carn em cd poema, k ond stja 1 poeta e haja km saiba ouvi-lo s grã 1a corrnt d comunicação a partir da kual já nnhuma inkietaçao s deixa iludir d boa fe, nd + natural d k o dsjo d mobilizar exa força em proveito próprio, arrmdando-lh os procssos encantatórios ou prstigiando os vats ofociais, promovidos e princips da rima. E foi, n a pnsar nls, nxs olímpicos rojados aos ps do podr, ms d olhos postos no hroisms d António Maxado e no martírio d Lorca, meus vizinhos e contmporaneos, k toquei a reunir. Mal imaginava eu k n tardaria mt stariamos diant d nva calamidd: a praga mfitica do poeta rfugiado nas suas kualidds mnors, a cantar d ouvido hinos k dvriam irrompr das funduras da alma, a iludir o k n kr rvlar, ou a encobrir c palavras d suprficie a dbilidd do estro. Furtando-s à tutla dos totalitarismos xprxos. Ms nvrgonhada da sua condição e a rndr-s c armas e bagagns a padrões k nm plo facto d srm + subtis deixam d sr mnos tirânicos, n dslizará irrmdiavlmnt a poesia pr os abismos d 1 totalitarismo implícito? Solidário mas autónomo, o poeta é 1 rbld k sab k a poesia apnas subvrt pk transfigura, e k sra ess sp o seu vanguardismo. A cantar ao sabor da moda, 1 poeta vstido d bardo n é mnos trágico do k 1 poeta ataviado d fãmulo.
É nsta ncruzilhada d prguntas e duvidas k radicam as minhas aprnsoes, agravadas dia a dia prant a evidncia do isolamnto progrssivo em k no intimo vivmos tds. Os k rsistiam à tntaçao e os k s deixaram tntar. Os k prsistm em sr dscompromtidos apóstolos da librdd; os k cdram à comodidad d pôr a poesia ao srviço d causas k lh são alheias; e inda os k, prplxos, à míngua d 1 ponto d aplicação, a scamoteiam em jogos hrmticos e ambíguos, ond ela s prd cm a mlhor água n1a sponja d areia. 1s p razoes d fora, outros p razoes d dntro, outros p incidncia d ambas, tds vivmos exilados dntro d nos, msm qd axim conivnts, a rpartir irmamnt, n1 acto compnsatorio, os louros sagrados do Parnaso. Pk n val a pna ncobrir a vrdd. Tmos d o confssar lealmnt: mbora tais fstoes constituam 1 mutuo stimulo e 1 lnitivo, murcha-lhs o viço n sei k sombra d solidão. Tlvz a crtza mlancolica d k apnas nos dariam inteira algria na hora em k consguissmos mrc-los e rcb-los das mãos rndidas e limpas dakls k connosco comungassm na convicção d k o poeta, na transparncia sa poesia, só n trai o smlhant qd s trai a si próprio.
[p 193-198] [MAN]

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